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NorthCape Diaries

O NorthCape4000 é uma aventura fantástica que merece o seu próprio relato. Mas não menos importante foram os posts diários que fui fazendo ao longo do percurso e que permitiram uma partilha muito especial com quem acompanhou à distância.

Dia 1

Entrada rija, não terá sido certamente o dia mais duro mas espero que não tenha sido o mais fácil. Os números não contam a história (262K, 3000 D+), mas há um que fica: 37 graus à tarde.
Arraial de porrada logo à saída de Rovereto com 20km a subir para aquecer, estradas, vilas e palácios como só em Itália e um estado de suspensão em que os kms não queriam mesmo passar. O corpo a ambientar-se à posição e regime de esforço, a rasar a quebra uma ou duas vezes mas bem recuperado a pizza e raide supermercado.
Forcing final até à fronteira para bancar o dia e bivouac manhoso no posto fronteiriço deserto. Arrancamos de madrugada para normalizar horários. Abraços!

Dia 2

Saída do posto fronteiriço com Itália em direção à primeira padaria eslovena aberta em Bovec e ala em direção à monstruosidade do dia. 22km a subir com 13 permanentemente acima doa 10%. Deslumbrante, do fundo do vale ao pico. Descida para restabelecimento junto ao lago, seguida de descida do vale em ciclovia em direção a Bled. Almoço para fugir ao calor, novamente abrasador da parte da tarde, com sesta rápida de 40m para recuperar à beira da estrada. Entrada em modo TGV para recuperar kms no início da noite e foi até se acabarem as pilhas já perto da fronteira. Mais uma estadia bivouac à comando, com direito a javali-despertador, a próxima será na Hungria que se avizinha, agora obrigatoriamente na modalidade de duche e colchão 😅

Dia 3

Entrada na Hungria sem dar por ela e com o Sol a nascer.
Trânsito mauzinho, na primeira parte com muitos camiões e a segunda dominada por ciclovias intermináveis de todos os feitos, estados de conservação e acessos.
Mais um dia de muito calor, novamente a bater nos 37, a ponto de na praça central de uma localidade terem pendurado tubos com micro difusores! Raides constantes a áreas de serviço, com mais parceiros de aventura a parar e demorar-se.
Foi também dia de carimbar o CP1, no enorme lago Balaton, com 77 kms de comprimento e a Eurovelo 14 a bordejar.
Dia ainda de pneu novo, já noite, com a simpática ajuda de um Húngaro a que não pedíamos mais que a luz do quintal… e de um forcing para chegar a Budapeste para dormir em condições (logísticas) pela 1a vez! 🙂

Dia 4

Budapeste – mágica, imperial e com umas ciclovias simpáticas (para quem vai trabalhar ou a uma festa de Erasmus). Quase 2h para sair sempre a praguejar até apanhar estrada a sério e um caminho bem bonito pelo norte da Hungria até à fronteira.
Com o sol a torrar tive um momento daqueles, a rolar forte numa descida frondosa, braços abertos, ensopado na cabeça e jersey (na variante batismo de lavatório) no último café que tínhamos apanhado uns minutos antes. Depois de uma subida mais longa em esforço e com as têmporas a cozer ovos, aquela descida de uns 2 minutos quase valeu a viagem só por si. De levantar o jersey na nuca e deixar o vento trabalhar. Nível experiência religiosa.
Aproximação à fronteira, passagem pelo posto sem estrilho e a suster a respiração (depois explico), e umas dezenas de kms bem puxados a rolar com paragens apenas para raides a supermercados. Fruta. Adoro fruta. E folhados. E bebidas geladas. E frutos secos. E… epá, basicamente tudo o que meter caloria e apenas condicionado pela capacidade de enfardamento compatibilizada com o pedalar nos aerobars.
Bom jantar de hamburger XL e já pedido o pequeno almoço madrugador – caixa de pizza. Sobre isto, tenho apenas a dizer que começa a instalar-se um certo aburguesamento e, depois de um bom arranque com 2 noites ao relento, fica hoje o score 2-2 entre noites com teto e à macho.
Amanhã 4 a.m. arranque para os picos eslovacos e sempre a fundo em direção a Cracóvia.

Dia 5

Ficou reservada para o 5o dia da aventura uma boa parte das elevações eslovacas. Ainda bem que saímos às 4…
Cadência nas subidas, gelo nas descidas: apesar da temperatura muito elevada nesta altura do ano, mesmo para a noote, a altitude e humidade ajudavam à festa e tive que parar uma vez para ajustar o equipamento já a bater o dente.
O prato forte do dia foi em pleno parque natural, com uma boa mão cheia de subidas longas, puxadas, mas que dão muito gozo a fazer.
Desafio enorme encontrar um café a meio da manhã mas lá conseguimos e mais um par de horas a acumular metros em cartão.
Almoço à séria em termos calóricos, a pesar nas horas de calor: mais paragens do que gostaríamos sobretudo para arrefecer os radiadores.
Ficaram na memória muitas cruzes e altares à beira da estrada e telhados de metal depois de uma sesta rapida à sombra, ao lado de um estábulo junto à fronteira.
Entrada na Polónia com a paisagem mais rural – menos cuidada mas mais natural.
Algumas rampas absurdas de cimento com umas centenas de metros e a bater nos 20%, mais um raide a um supermercado e uma enorme descida ligeira ao longo de dezenas de kms ajudou a fechar um dia que já ia muito longo e com dureza.
O objetivo era chegar ao CP2 e foi isso mesmo que andou sempre no azimute. Seriam 21h e muito quando rolámos pelas ciclovias de acesso à cidade.
Anunciaram a nossa chegada com trovões e um valente borrifo. Assim sim.
Amanhã arranque novamente cedo para cobrir a maior distância possível no enorme território polaco em direção à Lituânia, com muito menos D+ mas as incógnitas vento e chuva! Stay tuned! 😁 

Dia 6

Arranque do dia a deixar Cracóvia, saída melhor que Budapeste e sempre em ciclovia.
Entrámos na rede de estradas secundárias, onde acabaríamos por passar o dia, e logo com um encontro directo com uma obra (de muitas, acho que o Bob o Construtor é polaco) onde encharcámos as bikes de lama. Não são propriamente gravels e, alguns bocados de palha depois, lá conseguimos limpar minimamente e seguir.
Continuando, a lama afinal era bem argilosa e mais tarde acabou mesmo por bloquear a roda por completo a meio de uma subida. Bom.
Terreno ondulante, a lembrar o meu Alentejo também nos tons.
Cruzes à beira da estrada por todo o lado, com mais e menos enfeites, lembram a forte tradição religiosa do país.
Mudando de tema como um DJ estagiário: Biedronka foi um dos vários raides a supermercados, coisa rara por aqui. Cafés e restaurantes não existem pelo menos nestas zonas que cruzámos.
Acabámos na hora de fecho a trazer um cabaz da mercearia para comer na rua ao por do sol. Sim, sim: pão, gouda, feijoca, salsichas, sumos de pacote, batatas fritas, o menu todo. Ficámos a imaginar a conversa de uma família de mãe e filhas que passou para o carro: “Estão a ver aquilo? Agarrem-se aos livros!” 🤔😄
(Tiago Filipe, já fiz o pleno, com cão que me amigou e carrinho de compras… 😉)
Fim de tarde com Sol a baixar, a entrar em torpor com os kms ainda a acumular e dado a divagações. Amanhã será outra vez arroz e, assim sendo, começo um livro.
Why we ride
Before any daily report, a true NorthCape4000 moment. Running low batteries – lights and legs – at some dangerous roads swerving the cars and trying to find a place to bivvy, a headlight appears and asks: ‘are you riding NorthCape?’…
Piotr is a local and rode 15K in the night to meet us after seeing us on the map and coming to check if we needed a help. We did. He left us at a nearby hotel and, seeing we could not arrange early breakfast, knocked 15m later with supplies he went to get.
True class, Peter, the Great!👍🏻👊🏻
We’ll never forget this moment and you’ll always be at home in Portugal!

Dia 7

O sétimo dia custou mais a arrancar, com algumas mazelas que se vão acumulando. De qualquer modo, até agora já troquei um pneu à bicicleta e eu ainda não troquei peça nenhuma, pelo que estou claramente a ganhar.
Boa rolagem à saída, a aproveitar as retas e nem dava vontade de parar não fora um letreiro com a palavra mágica: “Pizza”.
Que, obviamente, acompanha com tagliatelle a carbonara. E que, ainda mais obviamente, complica a digestão quando se arranca a ritmo de crono depois do repasto! Água com gás na bomba seguinte.
Ao tirar os sapatos durante a paragem voltei a perceber que a semana a rebentar 9000 calorias por dia está a desbastar bem. Claro que o lanche teria que ser reforçado e, aqui para nós, já merecíamos um cartão da casa da Biedronka!
Hoje refinei repasto no passeio e apostei no parmesão e uma sommersby. Pré-mendicidade sim, mas com o mínimo de nível.
Campos e ventania sem fim, umas boas horas de frente a fazer séria mossa na progressão, foram as principais marcas do dia.
Why we ride #2
Again, another amazing act of kindness warmed our souls. End of another long day, no vacancies at Tycocin or the previous town, mosquitoes everywhere we stopped to make decisions, getting dark… starting to eye a cold bivvy night by the road. Looking for some place to sleep on the bush when a car stops, reverses and asks what we need.
‘Let’s go, it’s 2 kms from here!’
Piotrek was the savior of the night! 🙌🏻
Amazing host, to pay back in Lisbon!👍🏻

Dia 8

Dia marcante, o joelho do Bruno passou das ameaças às consequências e com muita pena de ambos tivemos que desfazer a dupla. Sei bem o que custa tomar este tipo de decisão, mas só faz sentido fazer o que está certo e valorizar o caminho e os bons momentos desta semana infernal. As melhoras rápidas para voltar em grande! 🙌🏻👊🏻

Foi já a solo que entrei na Lituânia, depois de 2 horinhas a despedir da Polónia e de passar num parque natural extenso e lindíssimo, daquelas florestas dos livros.

Saco de transição às costas, parei apenas 2x e apesar de ter saído tarde ainda encaixei 280K com uma boa média.

Quem não colaborou foi o #!^*$££×@& do Garmin que depois de uns soft resets há 2 dias e um hard reset ontem se transformou em tijolo caro e nem carga aceita, quanto mais ligar. Resultado, a ida à garantia da @garmin fatal como o destino e a navegação a ser feita por Komoot no telemóvel. Também já só faltam pouco mais de 2000 kms.

Ninguém merece.

Esgotado o léxico de insultos (que, atenção, é relativamente vasto), gastei o resto da zanga nos pedais.

Vinha a fugir da chuva há uma hora, com uns pingos mais grossos intermitentes quando o sacrilégio de ultrapassar um trator foi imediatamente castigado com meia horinha de chuvada e trovões que é para ir secar a roupinha a tempo de arrancar amanhã.

Chegado a Jurbarkas foi tempo de encontrar o hotel… com doses iguais de magia/twilight zone e de sovieticidade da boa.

Tinha um inesperado sushi ao lado e demorei a explicar às senhoras que a dose não era para 6 pessoas e que não aceitava levar mais do que 1 par de pauzinhos 😋

Agora recarregar, que amanhã há mais!

Dia 9

Saída tardia depois de acordar com o quarto em brasa e a roupa toda seca: amanhece bem mais cedo do que estamos habituados e o quarto onde fiquei levava com o Sol em cheio.
Ao fim de 1h, Bob o Construtor ataca de novo e mais um viaduto em construção. Desta vez com descida por escada de madeira e 100m pelas ervas, aconselhado pelos senhores dos capacetes.
Bom ritmo, vento muitas vezes de cauda (acabei os 296K com 30 de média de relógio corrido, isto já com peripécias). 2 raides apenas: supermercado e a área de serviço e foi nesta a história do dia. Entrei, pedi a uma senhora para encher as garrafas, fui ao wc e saí pela porta contrária – a Lituânia é o primeiro país desde o início da prova a levar a sério, de forma geral, o tema do Covid.
Comi o que tinha e arranquei.
Levava uns 5m a aviar cartucho quando procuro a garrafa de água. Nada. Ou seja, nada x3! Travões a fundo e toca de subir, contra o vento, o que já tinha feito. Cheguei à bomba estava a senhora a explicar a um casal como é que eu era e eles, já com as 3 garrafas dentro do carro, prontos a arrancar no meu encalço! Boa gente mesmo!! 😊
Lagos, moínhos, instalações e maquinaria agrícola que faz a nossa parecer Playmobil.
Já depois de almoço, a 1a fronteira com controlo efetivo, sem grande aparato: um polícia que veio pedir os documentos, adivinhou ao que vinha (o outfit e uma burra de corrida bem albardada ajudaram).
Ao chegar a Baske mais uma bela surpresa: o amigo de um rider que mora perto e veio fazer companhia uns kms soube que o meu Garmin pifou e trouxe o dele para me emprestar e devolver pelo correio. Fiquei sem palavras!! 😯🙌🏻
Começava de seguida o prato forte do dia: 30km de sterrato para testar o corpo e as máquinas. 40% horrível, 40% mau e 20% rolável. E eu até gosto da coisa!
Só para facilitar furei – rigorosamente – em menos de 100 metros. Palavrões, câmara de ar e só me faltavam uns óculos Afrika Korps porque não paravam os tratores e a chuva de pó que seria lama no banho.
Retas intermináveis (uma de 12 km!!) com uma ligeira pendente, primeiro sterrato e depois alcatrão, entregaram-me já cansado a uma Riga bem bonita e moderna que me surpreendeu. Fica o bookmark!

Dia 10

Acordei a meio da noite cheio de comichão: tornozelo, ombro e pulso. Deve ter sido tipo uma prova, bochechado com tira-gosto e tudo entre picadas. Voltei a acordar e, desta vez, um sobrolho à boxeur fez despertar o Tarantino que há em mim. Ainda o devem estar a limpar da parede do quarto.
Resultado disto ou não, dei à chave às 7 e às 8 mas o motor só arrancou às 9.
Saída de Riga muito à custa de ciclovias, ainda a acordar e uns 3 enganos.
Borrifos, pausa, borrifos, mais borrifos e as horas iam passando.
Às tantas, dilúvio! Assim que encontrei uma paragem de autocarro parei para espremer a roupa e vestir o impermeável mas o maior mal estava feito: telemóvel com água na porta de carregamento. Isto era um problema porque trazia o telemóvel a fazer navegação com o Komoot e ligado ao dínamo para aguentar o dia.
Felizmente tinha o Edge que me emprestaram e rapidamente carreguei o mapa e desonerei o telemóvel da navegação.
A partir de metade do percurso veio um vento chato de frente que limitou muito a progressão mas, verdade seja dita, com temperatura de trovoada ajudou a secar tudo. Excusava era de ter continuado mais 5 horas!
Paragem em supermercado/padaria ‘very typical’ que foi de ouro já com as reservas em baixo depois de muitos kms sem nada.
Depois, a passagem de mais uma fronteira (para o 8o país da aventura) e o Sol apareceu com uma receção à altura. Só faltou desligarem o vento, mas não se deve querer tudo.
Nova paragem num mini-mercado (Coop) e saco bem aviado com 3 massas instantâneas, uma lata de atum, outra de salmão, pão e iogurte que o alojamento já estava garantido mas o jantar ainda não! 🙂
Acabou por ser uma etapa bem faturada e amanhã será dia de chegar a Tallinn e ferry até Helsínquia.

Dia 11

Dia de descanso, a la Tour de France? Era um bom plano.
140 kms até Tallinn + ferry soava muito bem. Obras durante 3 km, sem asfalto. A 2/3 do caminho, aro no chão e a borracha a arrastar.
Tranquilo, não fosse a minha última câmara de ar. Mas há sempre um sentido de humor esquisito à espreita e, depois de ter deitado a máquina nas ervas, a primeira coisa que ouço ao tirar a câmara de ar nova do saco é um som surdo e pesado a bater no chão, depois de objeto brilhante ter saltado com a câmara (a ordem é mesmo esta).
Bingo – tinha sido a chave de raios (encontram-na na foto?). Andei literalmente 5 minutos a arrancar 1 m^2 de erva alta até dar com ela. Tudo certo.
Até que empurrei a câmara de ar antiga (quando não há mais, segue para depois remendar) dentro da bolsa do quadro – onde levo ferramentas, powerbanks, cabos e muita outra tralha – e ouço aquele som inequívoco de uma bolsa de gel energético SiS a rebentar e espalhar-se vagarosamente. Ri-me.
Guardei os palavrões todos para os camionistas que passaram a rasar no meio de uma ventania absurda. Um rodeo, era o que se passava naquela bicicleta durante uns segundos.
Mais 2 horinhas de chuva no pêlo e vento q.b. fizeram-me deixar 6000 cal no “dia de descanso”. Foi bom enquanto durou!
Apertei para chegar a horas ao ferry, passando à pressa por Tallinn e direto à barriga do gigante que engolia dezenas de camiões TIR. Lá deixei a bike junto dos monstros de metal e, à amador, o powerbank. Obviamente fiquei às escuras a meio da viagem porque a bateria já não era muita e não podia voltar ao piso de carga.
Mas ainda me vinguei num Burguer King e voltas pelos decks enquanto metia as chamadas em dia e planeava logística.
Chegada a Helsínquia para encontrar uma cidade belíssima, com ciclovias organicamente integradas – não enxertadas – e tirei 20m para me apear num sun deck e comemorar a entrada no penúltimo país da aventura.

Dia 12

Helsínquia é ainda mais linda ao amanhecer!
Rede de ciclovias como deve ser, bem integrada quer no planeamento quer na execução (e.g. lancis e transições) até mais de 15 kms fora do centro. Um prazer!
Hoje foi um belo dia, senão vejamos:
– Não furei 😅
– Vento sim, mas aceitável, nada comparado com os últimos 2 dias 🌬
– 3 quartos de hora de borrifos de chuva espalhados ao longo do dia 🌨
– Altimetria rolante, com parte pernas a meio mas pouco acumulado geral
– Dia de atravessar o tão impronunciavel como incrível Pulkkilanharju Esker
(https://maps.app.goo.gl/eVSJe6FsVnjCKBgz9), um dos pontos mais belos da prova
– E outros lagos, muitos lagos com muito sol, médio, pouco, nuvens, houve para todos os gostos. Que postal!
– Estratégia de paragens que parecia a Ferrari nos tempos áureos do Jean Todt: 1 única ida ao supermercado para todo o dia. Resultado: idas às boxes só fisiológicas e… esparsas, que a coisa estava a fluir e era melhor não perturbar
– Acumulei mais 300 Km em cartão de pontos
– Fecho de dia com jantar à séria num restaurante junto ao hotel onde fiquei: priceless 🍝🍕
Dá para ser assim amanhã ou será pedir demais? 🤔😁

Dia 13

Este foi espremido até à última gota:
340 kms até ao sol picar o ponto e ir descansar 🌞
Começou com um belo nascer do dia logo à saida, mais uns lagos incríveis até aos 50 kms, altura em que começou o filme: uma rota francamente mal escolhida, maioritariamente por via rápida e com uma alternativa apresentada há 2 dias por email e com mais umas dezenas de kms aos quais os meus joelhos deliberaram em uníssono: not happening.
O negócio era simples: 270 kms numa (auto) estrada cheia de camiões e com berma intermitente. Parecia Roubaix, sempre que necessário era meter para a margem.
É muito pouco espaço para jogar – chegava a ter um palmo de largura e com banda sonora bem cavada a separar a faixa de rodagem (um martelo pneumático cada vez que lá ia) – com necessidade de correcção constante, e mentalmente desesperante. Acabei por meter um audiobook (só numa orelha, evidentemente!) e desligar o fio: só periodicamente e com algum fim concreto, e.g. comer ou ver qualquer coisa no telemóvel, via se a costa estava livre e ocupava a faixa. As razias de camiões deixaram de assustar e passou a um plano exclusivo de destreza para controlar a deslocação do ar. DUZENTOS E SETENTA KMS disto… ninguém merece 😖
Finalmente, a 20 kms do fim, saída para estrada secundária com por do sol espetacular para redimir. O que vale é que a mente prioritiza o que quer guardar, senão as 10 fotos do dia eram sobre variações de tipos de berma… 😅
Siga a marinha! Dia duro mas bem faturado e amanhã entrada no círculo polar ártico em Rovaniemi! ❄

Dia 14

Novamente um par de soluços no arranque fez com que a borracha fosse ao alcatrão as 9h (que neste métier é “da parte da tarde”).
Saída deliciosa com 35(!) Km de ciclovia dentro e entre localidades, zero contacto com carros na 1a hora e havia muitos. Como havia também muitos putos com menos de 10 anos em grupos de 4 ou 5 a ir para a escola de bike. Passagens desniveladas com vias para peões e vias para bikes à entrada e saída das localidades, dá gosto ver e usar um sistema de mobilidade assim.
Tempo de entrar na Finlândia mais bruta e natural, com bosques intermináveis e… renas!! 😀
Entrada na Lapónia e Círculo Polar Ártico, marcada pela visita à Aldeia do Pai Natal – os horários dos checkpoints não fazem qualquer sentido (este encerrava às 16h…) mas ficou a visita e vontade de voltar com neve.
Com a progressão para Norte, o por do Sol torna-se notoriamente diferente dia a dia, com muita claridade neste momento até às 23:30 locais, como já tinha experienciado no Norseman.
3800 km no saco, faltam agora 650 (menos que a N2 😉)

Dia 15

Arranque de dia com breakfast of champions no hotel de área de serviço onde fiquei, de inspiração oriental 🙂
Um casal de motoqueiros que conheci ao pequeno almoço, com 2 motos muito curtidas e que também ia para o Nordkapp, respondeu ao meu elogio sobre as máquinas deles com um: “muito fixe a tua, quase não se vê o motor elétrico” 🤟🏻
Pouco depois cruzava-me com um sinal que mexeu comigo e acabou por ser a marca do dia, Aniversário da Francisca, e não pude deixar de ver-nos, Pai e Filha, representados e a caminhar juntos 😊Está quase!! 😀
Mas hoje foi também dia de literalmente travar e me desviar de renas – agora já percebo a quantidade de sinais de perigo na estrada!
A paragem para abastecer deu para receber dicas de um finisher e do @stefanozotti , a mais preciosa das quais foi ser apresentado ao mundo dos crepes de salmão 😋😋😋
O principal problema de atravessar dezenas de lagos maravilhosos por dia é nivelar por cima a ponto de alguns já parecerem só normais. Não são, João Pedro. São incríveis. E com o pôr do sol a aproximar-se ainda mais.
A fechar o dia, tinha uma surpresa no frigorífico, para aquecer no microondas, deixada pelos anfitriões das cabinas onde fiquei… só posso dizer que as restantes renas vão ter que puxar o trenó com mais força 😅 WOW… com puré, compota e pickles… de estalo!!

Dia 16

Começo como acabei, a dormir ao relento no bivvy bag. Está um vento tramado e fui buscar uma palete de madeira para evitar o frio do chão.
 
São duas da manhã aqui e o Sol nasce no mar sem nunca ter sido noite.
Doem-me as pernas mas estou feliz, muito feliz. Acabei o NorthCape4000 há 2 horas.
 
O centro fecha à uma e, para além das fotos e registos oficiais, só tive tempo de ir buscar alguma comida e água antes de me trocar para roupa quente e fecharem o espaço.
O plano era deixar 40 kms para terminar amanhã, dada a janela horária e a carga acumulada. O grande defeito desse plano é que não tinha graça nenhuma.
 
O sentimento à chegada foi fantástico, claro, mas não tão bom quanto aquele que bateu no meu peito a meio do dia, com o impulso de virar a etapa, esticar aos 355 kms e terminar já hoje.
É aquele lugar comum bastante verdadeiro sobre o que conta ser a viagem e não o destino.
O NorthCape foi isso mesmo, uma vida caberia nestes 16 dias: aposta, ilusão, risco, aventura, crença, resiliência, acidentes, amizades, novos destinos, competição, experiências, gestão emocional, planeamento, gut feelings, amor e saudades.
 
Estou a ter o amanhecer de uma Vida enquanto escrevo e não quero adormecer.

MUITO OBRIGADO a todos pelas constantes mensagens de apoio e incentivo, por se terem feito presentes a uma distância tão grande e durante tantos dias. O que consegui partilhar foi uma gota do que se passou, mas espero que tenha sido o suficiente para valer a viagem.
Bem hajam!
 
PS: se souberem de alguma outra aventura destas esperem 2 ou 3 semanas para me desafiar por favor!