Ultra Trail do Marão 2021

Contam-se pelos dedos de uma mão as provas que tive mesmo que querer muito para acabar. Esta foi uma delas.
 
Era uma vez um jovem incauto que em tempos se inscreveu para o Ultra Trail do Marão.
 
Corria o ano de 2020, joelho cronicamente nas couves, a pensar largar a bicicleta de vez (ou pelo menos por um ano ou dois) e começar mais a sério com uma atividade que lhe fazia menos mossa – trail. Na altura isto parecia contra-intuitivo, estranho até, mas afinal era mesmo assim e acabou por se explicar a razão de ser. Anyway, isso são outras histórias. Com mais de um ano para treinar – supunha eu na altura – tinha-me inscrito nos UTM endurance (110 km), como mega objetivo.
 
Covid, prova adiada, fast-forward para fim de Setembro de 2021.
 

Vinha de uma época curta mas concentrada, com Portugal Divide, NorthCape4000 e Race Across Germany a meter as fichas todas de novo nas bikes, joelho aparentemente resolvido. Como há sempre alguma, tinha o ombro ainda por recuperar da queda no Divide e diferido todas as restantes provas para 2022. 

Todas menos uma. Ainda estava inscrito no Ultra Trail do Marão… endurance. Ou seja, era o UTM com um ‘e’ que tornava a coisa de ‘ridiculamente difícil’ para ‘impossível’ tendo em conta que estava a um mês de distância, tinha corrido 300km – o ano todo! – e que tinha as pernas completamente adaptadas a ultra… cycling 🙂
Para ajudar, a maior experiência de trail que tinha até aí era o Cascais Trail Experience em 2019, 33km com 1000m de D+.
 
Mas, isso ou não fazer nada até final do ano, lá me decidi a ir pelo menos ao UTM: 58K e 4000 D+ sobretudo para aliviar a cabeça enquanto espero pela sentença sobre o que fazer ao ombro. E assim foi, em Outubro lá fiz o que pude, encaixei mais 140 km entre a Quinta das Conchas, Mata da Machada e Monsanto – aqui fica um obrigado aos Monsanto Running Team pela companhia em quatro quinta-feiras @Hora do Esquilo.
Os 58km do UTM começavam em Ansiães, depois de um autocarro apanhado em Amarante.
Comecei bem: ia no 3º dia de um enrrascanço na lombar que já irradiava pela perna abaixo – até ganhei uma simpatia pelo velhinho Beto ‘Ciática’ Acosta. A condução logo de manhã não ajudou mas havia de passar durante a prova, pelo menos foi nisso em que acreditei. Já me tinha acontecido uma vez algo de semelhante na meia-maratona em Évora, 2016.

Bom ambiente na saída e animação q.b. a contrariar o frio, que passou logo na 1ª subida. Longa, árida, a adaptar ao tipo de esforço, mas sem dureza de maior. Ia a respirar bastante bem comparativamente com a vizinhança mas a meter uma velinha ao esticar os gémeos e o Aquiles, pouco preparados para estas andanças.

Na descida seguinte (fora os últimos 3 kms, todo o percurso era a ou subir ou a descer) percebi o bailarico inevitável: passavam por mim que nem balas. Falta de técnica, falta de confiança, falta de endurance… de tudo! Por estranho que parecesse, e com mais 10kgs do que trouxe da Noruega, era nas subidas que me sentia melhor.
 
Não queria tirar os bastões nem por nada, e comprometi-me a só usar em último caso para não forçar o ombro. O ‘último caso’ foi logo ao fim de 2 horas e meia, quando começou o Km Vertical.

Incrível a vista no topo do Marão, com o retransmissor. Evoluímos ao longo da crista, com os geradores eólicos por companhia, até uma descida miserável com calhaus que rodavam ao ser pisados e me iam pintalgando os tornozelos. Era só chapa…. até virar o tornozelo. Impropérios. Siga.

Menos chapa foi uma bolha que se começou a formar no calcanhar esquerdo – como bom maçarico não levei vaselina e usando de uma pisada cada vez mais manhosa para fugir ao toque no tornozelo, rapidamente começou a escalar para uma bolha, mas daquelas em condições. Aguentei o mais que pude mas tive que aproveitar um recorte na curva de uma descida para me sentar e trocar essa meia por uma mais simpática (e seca) e a coisa tornou-se mais suportável. 
2º abastecimento, Mafómedes.
Como pedi para trocar a distância à última e os dorsais já estavam produzidos, levei um dos 110k e senti-me uma fraude completa… embora involuntária: perdi a conta aos “boa prova!” ao longo do caminho; desfiz o equívoco quando pude, mas muitas vezes não tinha força nem cabeça para explicar. Respeito massivo pelos heróis dos 110, ia fazer pouco mais de metade!
 
3º abastecimento, saímos já com o frontal ligado.
Nesta fase comecei a fazer contas ao cut-off, isto tendo em conta que já não conseguia correr quando queria mas sim quando conseguia convencer a assembleia deliberativa da auto-preservação física.

Passou-me ao de leve pela cabeça se era mesmo para acabar, já com o telemóvel com pouca bateria (o modo power-save falhou à séria, devia ter levado power bank) e muito tempo sem companhia, já com o sol posto. Mas, quanto mais avançava, menos sentido fazia mandar tudo às malvas. Tinha sempre que arranjar forma de voltar, conduzir de volta, viver com a sensação no dia seguinte de manhã, epa… no way. Ainda não seria desta o 1º DNF. Morde e segue.

 
Descer estava já num registo trágico-cómico, com uma ginga diabólica, e pisar tornou-se verdadeiramente penoso depois da passagem pela ribeira – pés molhados e já com bolhas a uma hora daquelas era mesmo estar a pedi-las. Que rica ideia, gritava eu, já depois de ter desistido de atravessar com os pés a seco entre margens e ilhas. Já tinha decidido terminar e, coxeia aqui coxeia ali, lá cheguei à fase das cordas para descer junto a quedas de água e pedras escorregadias – não me pareceu o mais esperto de colocar naquela fase da prova, já com as pernas a querer desobedecer e – para muitos – de noite.
 
O Garmin, que tinha vindo tão certinho, já estava no 2º aviso de low battery quando resolveu fazer das suas e o 4º e último abastecimento demorou mais 2(!) kms a aparecer – até pensei que tivesse falhado a entrada.
 
A partir daí faltavam 375m D+ e 9 km, foi forçar já com o fim ao virar da esquina, era só mais um pouco. Depois da última descida vieram os tais 3 km planos e, depois de ter cedido uma série de posições na fase final, mais uma luzinha em cima vinda de trás foi o momento de dizer “alto e pára o baile, este já não passa!”. Dor por dor, alarguei a passada e entrei na vista de Amarante a aumentar progressivamente o ritmo. Veio ter comigo um “Ferrero Rocher” – que é, como quem diz, um atleta estrangeiro que já tinha terminado, embrulhado numa manta térmica, e que ia voltar ao ponto de chegada para ir buscar qualquer coisa. Perguntou se podia acompanhar-me e lá fomos até quase ao fim ao despique e a acelerar cada vez mais. Largou-me no acesso ao complexo desportivo e ainda apertei aos 4:30 nas 2 últimas curvas para esvaziar o tanque. Fechei na reta da meta a abrir e… estava feito o 1º Ultra Trail! 
Tudo impecável: esteve um tempo excelente, Zero graus no início e no fim mas um miminho comparado com o que o Sérgio Neto me contou sobre o ano em que apanhou neve e granizo! Bons abastecimentos e excelente a sinalização com as fitas e refletores – incrível sobretudo à noite para quem como eu nunca tinha visto.
 

Um enorme sentimento de felicidade por ter terminado, muita aprendizagem, mais alguma experiência e… juízo para a próxima.

Em princípio não terá sido a última 🙂
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